sábado, 12 de março de 2016

Quaresma – Dia 29 – O que realmente importa



“[...] porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lucas 12.34)

O texto de Lucas 12, versos 1 a 34, fala de um assunto só: o verdadeiro sentido da vida. E eu só percebi isso quando já estava chegando lá pelo verso 22. Aí acontecem aqueles momentos de iluminação de Deus. É tudo sobre a mesma coisa.

O texto começa com Jesus alertando seus discípulos e a multidão reunida contra o fermento dos fariseus: a hipocrisia. Hipocrisia que se revelava na vida cheia de coisas ocultas que eles tinham, das máscaras que eles usavam. Mas Jesus adverte a todos que nossa verdadeira face nunca poderá ficar escondida para sempre. Nossas máscaras cairão, nossas coisas escondidas serão reveladas. Portanto, que não haja em nossa vida este fermento de hipocrisia que havia nas vidas dos escribas e fariseus, com quem Jesus acabara de conversar e de a quem acabara de repreender, no fim do capítulo 11. E a hipocrisia deles consistia em uma coisa: dizerem-se preocupados com as coisas espirituais, com suas máscaras espirituais, porém com os olhos e o coração fixos em si mesmos e nas coisas deste mundo. Diziam-se espirituais, mas eram carnais. E, então, Jesus mostra três comportamentos que revelam quando nosso coração está nas coisas deste mundo e não nas coisas espirituais, e quais deveriam ser nossas verdadeiras preocupados – o que realmente importa.

1) Medo da morte (Lucas 12.4-12)

“Digo-vos, pois, amigos meus: não temais os que matam o corpo e, depois disso, nada mais podem fazer” (v.4).

Infelizmente, raramente paramos para pensar por que certas coisas da vida geram tanta preocupação, tanto medo em nós. Por que tememos tanto a morte? Mesmo que não assumamos. Nós a tememos. Pensamos, caso somos convidados a realizar uma ação cristã em um local perigoso da cidade: “Mas será que devemos mesmo ir lá? Será que é seguro?”. Se somos convidados para um trabalho missionário em um país em guerra: “Mas não é melhor ir a outro lugar?”. Se somos desafiados a desenvolver qualquer atividade que possa nos trazer dor ou mesmo qualquer tipo de desconforto, até mesmo o emocional, logo desanimamos. Tenho ouvido tantos cristãos preocupados com o risco de extremistas islâmicos se aproveitarem dessa onda de migração de refugiados Sírios e de outras áreas do Oriente Médio, e da abertura que o Brasil tem dado, liberando as fronteiras e facilitando a entrada destes refugiados. E a preocupação sempre é: “nós não sabemos o que eles podem fazer. Daqui a pouco estarão realizando atentados terroristas aqui no Brasil, perseguindo a Igreja, e nós estaremos correndo riscos”. E isso tem gerado tanta preocupação a tantas pessoas, nestes tempos. Mas, por que isso nos amedronta tanto? Por que o risco de sermos perseguidos, de sofrermos um atentado, de sofrermos danos físicos nos causam tanto alarme? E a verdade é que é porque nossas preocupações estão neste mundo, e não na eternidade. No mundo físico, e não no espiritual. Em nós mesmos, e não em Deus. E é por isso que tememos tanto aqueles que podem matar o corpo, mesmo sem poder fazer dano nenhum a nosso espírito. Porque colocamos valor maior no corpo do que no espírito. E é com ele que nos preocupamos, acima de todas as coisas. Por isso, o medo da morte chega a paralisar certas pessoas. Por isso há pessoas (mesmo cristãs) que, quando ouvem alguém dizendo “Se eu morrer amanhã, encontro você lá no céu!”, rapidamente respondem: “Credo! Tá amarrado! Ninguém vai morrer não! Para com isso!”. Porque criamos raízes neste mundo e não queremos deixa-lo. Nós o transformamos em nosso tesouro, nos esquecendo que este corpo perecerá, e este mundo também. Que a verdadeira realidade está além deste corpo físico.

E o ensino de Jesus sobre isso é: “temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno. Sim, digo-vos, a esse deveis temer.” (v.5). Deus. É a Ele que devemos temer. Ao que acontecerá com nossos espíritos APÓS a nossa morte física. Isso sim é realmente importante. Ao olharmos para todas essas situações arriscadas e difíceis para nós mesmos, que nossa preocupação não esteja em “O que acontecerá comigo?”, mas “De que forma isso pode influenciar realidades espirituais?”. Na minha vida e na vida dos demais envolvidos. Como isso pode beneficiar ou prejudicar, espiritualmente, a Igreja de Jesus Cristo, nossa fé, nosso crescimento, nossa aproximação de Deus, e todos aqueles que ainda precisam conhecer a Jesus. Porque estas coisas influenciarão para a vida eterna. E é com elas que devemos nos preocupar.

2) Avareza (Lucas 12.13-21)

“Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco...” (v. 19-20a)

Nós podemos até não perceber também, mas todos pensamos nisso. Precisamos de um fundo de aposentadoria. Precisamos de uma poupança. Precisamos de uma casa melhor. Precisamos de um carro novo. Precisamos de mais roupas. Precisamos de mais sapatos. Precisamos de mais lazer. Precisamos de mais um trabalho. Precisamos de tantas, tantas, tantas coisas. Precisamos derrubar nossos celeiros, para podermos construir outros que possam abarcar os tesouros que temos conseguido juntar. E, então – só então - , quando tivermos conseguido juntar o suficiente, descansaremos e seremos felizes. Essa é a filosofia da grande maioria das pessoas hoje em dia. Nossos pais nos ensinam. Nós, que somos jovens, precisamos ralar muito e trabalhar muito agora, enquanto temos forças e energias, para que, um dia, possamos nos aposentar e usufruir dos bens que acumulamos. Só acontece que juntar bens toma nosso tempo, nossas forças, nossas atenções, nossos planejamentos... tudo o que somos. E, então, quando vemos, em nossa corrida para entesourar para nós mesmos, quase nada sobrou para Deus. Para a minha poupança, nunca pode faltar. Mas para ajudar um necessitado, sempre falta. Para apoiar um missionário, sempre falta. Para investir nos trabalhos da igreja, sempre falta. Mas para minha calça jeans nova, a gente dá um jeitinho. Para o cinema do fim de semana, a gente dá um jeitinho. Para minha maquiagem nova, minhas unhas semanais, meu cabelo... a gente arruma.

“Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (v.20-21). Temos tempo para nós mesmos, mas não temos para Deus. Temos energia para nosso trabalho, que nos permite juntar tesouro para nós mesmos, mas não temos para nossa família, nossos amigos, os que precisam de nós, e o próprio Deus. Mas essa vida terminará. De repente. Quando menos esperarmos. E o que terá valido serão os tesouros que acumulamos para com Deus. Nosso amor, nossa misericórdia, nossa compaixão, nossa doação, nossa liberalidade para com o Reino de Deus. Juntar para a eternidade, e não para este mundo perecível.

3) Ansiosa preocupação com as necessidades dessa vida (Lucas 12.22-33)

“Por isso, eu vos advirto: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer, nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Porque a vida é mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes.” (v.22-23)

E é assim que Jesus conclui o Seu ensino. “Não andem tão ansiosos assim!”. Por que nós andamos tão ansiosos com nossa vida – nossas necessidades diárias ou futuras? Porque nós nos esquecemos que esta vida não se resume à realidade material – há uma realidade espiritual, da qual nós fazemos parte, e, nesta realidade, há um Deus Todo Poderoso que é nosso Pai e cuida dos Seus filhos. Mas nos esquecemos disso. Passamos a acreditar que o provedor de nossas vidas somos nós mesmos. Nossos esforços. Nossos empregos. E, por isso, eles precisam ser nossas prioridades. Por isso precisamos trabalhar mais um turno, mesmo quando isso prejudica as coisas que realmente valem à pena nessa vida. Porque acreditamos que nosso sustento vem de nós mesmos – e não do Senhor. Então, vivemos preocupados com o que haveremos de comer, de beber, de vestir, etc. Por isso, deixamos de investir no Reino de Deus. Por isso, deixamos de estar com o Corpo de Cristo, pois precisamos trabalhar. Por isso, abrimos mão de uma viagem missionária, pois nos custaria reduzir os custos com a manutenção de nosso estilo de vida – o que não podemos fazer. Por isso, o campo missionário transcultural é tão apavorante pra tanta gente ainda. Por isso os pais se desesperam quando seus filhos dizem ser chamados para o trabalho missionário em campos pobres. Por isso, os jovens são ensinados a escolher profissões que darão dinheiro, e não as que fazem parte do chamado de Deus para suas vidas. É assim que fazemos nossas escolhas hoje em dia. Calculando nossa sobrevivência. E é assim que deixamos Deus de fora da nossa história – e ficamos de fora da história dEle.

O que Ele nos ensina: “Observai os corvos, os quais não semeiam, nem ceifam, não têm despensa nem celeiros; todavia, Deus os sustenta. Quanto mais valeis do que as aves! [...] Observai os lírios; [...] se Deus veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais tratando-se de vós, homens de pequena fé! [...] vosso Pai sabe que necessitais [destas coisas]. Buscai, antes de tudo, o seu reino, e estas coisas vos serão acrescentadas. Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino. Vendei os vossos bens e dai esmola; fazei para vós outros bolsas que não desgastam, tesouro inextinguível nos céus, onde não chega o ladrão, nem a traça consome, porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (v.24, 27a, 28, 30b-34)

Não se trata de não termos mais cuidado com nossa vida e deixarmos de ser atentos e sábios com nossas escolhas diárias. Não se trata de não nos precavermos financeiramente e sairmos torrando nosso dinheiro de qualquer forma, ainda que seja em ações religiosas, sem a responsabilidade de cumprir com nossos compromissos – pessoais, cidadãos, familiares. Não se trata de não assumirmos nosso papel em nos empenharmos para conseguir nosso sustento e ficarmos sentados, esperando Deus mandar o maná do céu. Não é sobre essas coisas que este texto fala. Não é sobre negligência, preguiça, irresponsabilidade, falta de compromisso e de responsabilidade, falta de sabedoria e vida desregrada. Não é sobre uma fé cega. É sobre onde está nosso coração. É sobre onde está o nosso tesouro. É sobre em que temos investido as nossas vidas. É sobre o que realmente tem importado para nós. E o que realmente importa para Deus. O que realmente importa nessa vida. É sobre descobrir isso e investir nisso. Tudo o que pudermos. É sobre não viver para si mesmo – mas para Deus, e para o próximo. Pois foi assim que Jesus viveu. E veio nos deixar o exemplo. Ele sabe o que realmente importa. Aprendamos com Ele.


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