terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Quaresma - Dia 7: Verdadeiro Arrependimento



“Então, as multidões o interrogavam, dizendo: Que havemos, pois, de fazer?” (Lucas 3.10)

Eis a pergunta mais importante da vida do ser humano. E agora, o que nós devemos fazer? No texto de Lucas 3.1-14, o evangelista expõe o ministério de João Batista e, no verso 7, diz que João se dirigiu às multidões que o procuravam para serem batizadas e lhes disse: “Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?”. E, se pararmos para refletir seriamente sobre o que João estava falando, que coisa tão dura de se falar! O texto diz que aquelas pessoas estavam INDO ATRÁS do Batismo de João. E nós sabemos qual era a pregação de João Batista em seu ministério, conforme falam os evangelhos de Mateus e Marcos: “Naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia e dizia: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mateus 3.1-2) e “apareceu João Batista no deserto, pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados” (Marcos 1.4). João andava por toda a vizinhança do Jordão pregando ARREPENDIMENTO e BATISMO DE ARREPENDIMENTO, para remissão dos pecados. O batismo era o que ele ensinava. Ele conclamava as pessoas a se arrependerem e virem batizar-se. Porém, Lucas nos diz que havia uma multidão que vinha para ser batizada, porém, João a chama de raça de víboras e a condena por tentarem fugir da ira vindoura! Isso não seria completamente contrário ao que ele pregava? Ele pregava sobre remissão dos pecados, para que as pessoas fossem livres da ira vindoura, contudo condenava aquelas pessoas porque estavam tentando fugir desta mesma ira, por meio do batismo que ele oferecia.

Só que não existe contradição aqui. Eu acho tão bonito o que Lucas resolveu registrar em seu evangelho a respeito da pregação de João. Os demais evangelhos falam muito sucintamente a respeito do que Lucas fala aqui. Logo após mencionar a repreensão que João faz àquela multidão, o texto continua dizendo: “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (v.8a). E é preciso parar para analisar muito bem o que essas palavras significam. Talvez alguém queira usá-las para defender que a salvação depende dos frutos que damos, que o arrependimento segue os frutos, os quais precisamos gerar primeiro. Porém, não é o que o texto diz. João não se contradiz aqui, como se a salvação dependesse dos nossos frutos e não do nosso arrependimento. O que ele está dizendo é que o verdadeiro arrependimento não pode vir separado de frutos. Frutos dignos de arrependimento. A versão King James diz: “Produzi, então, frutos que demonstrem arrependimento” (v.8a). João via, na vida daquela multidão que o procurava, que não havia verdadeiro arrependimento. Era somente pelo medo da ira vindoura que eles procuravam batizar-se. Mas não haviam se arrependido de seus pecados. E foi por isso que João os repreendeu. O batismo de João não era para essas pessoas.

E minha pergunta é: será que as pessoas, em nossos dias, têm compreendido o que é o verdadeiro arrependimento? Será que temos conseguido ensinar o que João estava ensinando: que a salvação não é pelas obras, e sim a partir do arrependimento dos pecados, porém que não existe arrependimento real se não houver mudança de obras? Será que nós mesmos temos entendido a relação que existe entre essas duas coisas? É belíssimo como Lucas escolheu o restante das palavras de João Batista para registrar nesse texto e deixar bem claro o que estava sendo ensinado. As multidões, após serem exortadas, perguntam, então, a João: “Que havemos, pois, de fazer?” (v.10 – ARA), ou, segundo a versão King James, “O que devemos fazer então?”. Aquelas pessoas, definitivamente, não haviam entendido a pregação de João. E ele, então, explica a eles:

“Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo. [...] Não cobreis mais do que o estipulado. [...] A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo” (v. 11, 13, 14)

É interessante que Lucas não se restringiu a registrar o que os outros evangelistas registraram: o “arrependei-vos” de João. Ele vai além. Ele explica o que quer dizer esse “arrependei-vos”. Significa MUDANÇA. É o significado dessa palavra tão batida e mal empregada nos nossos dias: “CONVERSÃO”. O que significa conversão? Significa isso aí que João falou àquela multidão. O que significa o verdadeiro arrependimento? Significa conversão. Conversão é uma palavra que significa, literalmente, mudança de direção. Aquele que vivia somente para si mesmo, que passe a ser misericordioso com o outro e o ajude. Aquele que era avarento e mentiroso, seja honesto. Aquele que queria o mal do outro e se aproveitava de sua posição para, por meio da exploração alheia, se beneficiar, deixe de fazê-lo. MUDE. E quando você mudar, isso não GERARÁ arrependimento em você. Isso apenas DEMONSTRARÁ que o verdadeiro arrependimento aconteceu. Você entendeu. Você reconheceu-se errado, pecador, e a compreensão de seu pecado pesou tanto sobre você que você não poderia mais continuar na mesma direção, no mesmo caminho, nas mesmas obras. A única coisa que poderia acontecer era CONVERGIR, sair daquele caminho e voltar na direção oposta.

Me preocupa tanto a realidade que nosso Brasil e, talvez, uma boa parte do Ocidente vive hoje em relação ao Cristianismo. A mensagem cristã se banalizou. Falou-se tanto, talvez sem entender o verdadeiro sentido dos ensinos das Escrituras, talvez com a motivação errada de arrebanhar ovelhas para nosso pasto, talvez sem nem mesmo os pregadores terem se tornado verdadeiras ovelhas deste pasto, que a mensagem foi banalizada. Podemos perguntar para todas as pessoas ao nosso redor se elas creem em Deus, e a grande maioria afirmará que sim. Perguntemos a elas se elas são filhas de Deus, e elas dirão que sim. Perguntemos a elas se elas são cristãs, e elas responderão que sim. Como aquela multidão dizia ser filha de Abraão, filha da promessa de Deus. No entanto, João diz a elas: “e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (v.8b). Filhos como vocês? Até mesmo essas pedras podem ser. Vocês não são filhos! Vocês sequer entendem o que é ser um filho de Abraão. E sabemos disso ao olhar para as suas vidas! É assim no nosso mundo hoje. Os pregadores dizem: “Tenham fé em Jesus e vocês serão salvos!”. E todos dizem ter fé, sem nem saber o que é a verdadeira fé salvadora. Os pregadores dizem: “Todo aquele que crer será salvo!”. E todos dizem crer, porém sem ter a menor ideia do que significa crer para ser salvo. João havia pregado: “Arrependei-vos, pois está próximo o reino dos céus”. E todos diziam terem se arrependido, somente para não provarem do juízo que acompanhava a chegada do Reino do Senhor dos Exércitos. Sem a correta explicação do que todas essas palavras tão simples, mas tão decisivas, significam – “crer”, “fé”, “arrepender-se” – mais contribuiremos para condenação do que para salvação.

João poderia ter, simplesmente, fingido que não via a contradição na vida daquelas pessoas. Era uma MULTIDÃO procurando-o para ser batizada. Ele poderia dizer, como muitos dizem hoje: “Quem sou eu para dizer que o arrependimento deles não é verdadeiro? Se eles estão afirmando terem se arrependido e desejam ser batizados, então quem sou eu para não batizá-los?”. Mas não. João sabia qual era seu papel. O último profeta. E que se ele se omitisse em deixar suficientemente claro o significado de sua pregação, não completaria a sua missão de preparar o caminho para o Senhor Jesus. João foi levantado por Deus para preparar o caminho para a primeira vinda do Messias. Nós somos aqueles que Deus chama para preparar o caminho para Sua segunda vinda, que se aproxima, como nos tempos do Batista. E, como o Batista, não podemos comprometer nossa mensagem. Que ela esteja clara para nós – e que ela seja viva e real em nós. Que possamos examinar a nós mesmos para saber se temos experimentado o verdadeiro arrependimento e a verdadeira conversão. E, tendo provado a nós mesmos, que o Senhor nos capacite a ensinar a este mundo a verdade completa – ainda que seja uma palavra dura aos que a ouvem.

Aquela multidão que perguntou a João “Que havemos, pois, de fazer?”, e que não havia experimentado verdadeiro arrependimento, provavelmente não gostou muito das respostas que ele deu. Aquelas pessoas egoístas, provavelmente não gostaram de ouvir que precisavam tornar-se misericordiosas. Aqueles publicanos que usavam de seus postos para tirar mais dinheiro do que deviam dos outros, e enriquecer às suas custas, provavelmente não gostaram de ouvir que deveriam parar de cobrar o que não era devido. Aqueles soldados, acostumados a maltratar os outros por prazer, a usar de sua autoridade para humilhar aos outros e se beneficiar às custas dos outros, provavelmente não gostaram de ouvir que deveriam parar de maltratar, de fazer denúncias falsas e deveriam se contentar com seu salário. O que João fez foi mostrar-lhes que eles não queriam, de fato, abrir mão de seus pecados. Portanto, não havia neles arrependimento. E pregar isso é duro. Dizer a alguém que se ela não deixa suas práticas pecaminosas, então sua fé é vã, então ela não crê em Deus, e então ela não é Sua filha. Ela está se autoenganando. E então, ela não está preparada para receber o batismo de arrependimento. E então ela não está preparada para entrar para a família da fé. E não é fácil pregar isso. Mas é preciso.


Que o Senhor nos conceda coragem, mas também amor e sabedoria, para aprender como fazer isso, como ser os proclamadores das verdades completas do evangelho. Que não sejamos acusadores duros e implacáveis que se colocam como juízes e vivem para apontar o pecado alheio. Mas que não sejamos também medrosos e mais interessados em agradar ao homem do que a revelar-lhe os ensinos das Escrituras. Que o Espírito Santo nos ajude a encontrar o equilíbrio. E que nada do que façamos seja feito sem amor, pois “sem amor, nada disso me aproveitaria” (1 Coríntios 13.3b). Que Ele nos ajude a assim ser. Para Sua glória. Amém.

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