“Afirmo-vos que nem mesmo em
Israel achei fé como esta” (Lucas 7.9b)
A reflexão do vídeo devocional de
hoje da Cidade Viva Pb (que você pode ver aqui), sobre esse trecho do Evangelho de Lucas, contando a
história da cura do servo do centurião, já traz uma boa análise a respeito do
assunto. Mas eu gostaria de avaliar um pouco mais o contexto por detrás desse
evento vivenciado por Jesus e o significado destas palavras que Jesus
pronunciou a respeito daquele centurião.
Primeiro, vamos lembrar algumas
coisas sobre os judeus. Durante toda a história do povo de Israel, narrada no
Antigo Testamento, os judeus foram O POVO separado de Deus. Eles eram únicos.
Os únicos. Não havia mistura. Inclusive, em todo o percurso histórico deles, o
grande mandamento de Deus era para que eles não se misturassem com os outros
povos e não adotassem as práticas deles. Então, em todo o Antigo Testamento, vemos
o povo de Israel sendo ensinado a manter-se separado dos demais, pois eles eram
um povo especial – O POVO DE DEUS. E então, sabemos pelos estudos históricos, que
os judeus acabaram desenvolvendo uma verdadeira inimizade contra todos aqueles
que não eram judeus – como os samaritanos e os “gentios” de forma geral, entre
os quais encontravam-se os publicanos e centuriões, que além de não serem
judeus ainda trabalhavam para Roma na opressão de Roma sobre Israel. Então,
essas pessoas eram consideradas inimigas – enquanto que os judeus achavam-se
especiais, pois ELES ERAM “O Povo da Aliança” e, portanto, O Povo de Deus.
Portanto, o sentimento de superioridade era algo comum a praticamente todos os
judeus. Eles cresceram aprendendo a enxergar a vida dessa forma.
Aí nós chegamos neste texto, lembrando
de uma segunda coisa: todo o texto que antecede esse fato, que se estende desde
Lucas 5.17 até Lucas 6.49, como já discutimos anteriormente, está condenando as
práticas e as vidas dos LÍDERES RELIGIOSOS do povo israelita. Aqueles que se
sentiam os mais nobres judeus, “protetores da Lei”, estavam sendo desmascarados
por Jesus e combatidos por ele – os fariseus e os escribas. Eles eram os
maiorais dentro da religião judaica. E Jesus vinha enfrentando e denunciando
várias de suas mentiras religiosas. E, logo após terminar de expor Seu
confronto com os líderes religiosos do “Povo escolhido de Deus”, Lucas narra o
encontro de Jesus com o Centurião Romano – um GENTIO, um (quase) INIMIGO de
Israel. É verdade que aquele centurião tinha a amizade dos anciãos dos judeus,
como diz o verso 5, era considerado “amigo do povo” e “digno” de receber o
favor de Jesus, inclusive tendo construído a sinagoga de Cafarnaum. No entanto,
ele continuava sendo gentio, e eu posso quase ter certeza que aqueles judeus,
por mais que o considerassem amigo, não o consideravam como um igual. Ele ainda
era gentio e ainda era romano.
E então, depois de ter reprovado
tão duramente os escribas e fariseus diante de Seus discípulos, aquele
centurião se comporta com tamanha fé, e Lucas registra que: “admirou-se Jesus dele” (v.9a). Que coisa
linda de se dizer a respeito de alguém! Uma pessoa que conquistou a admiração
do MESSIAS. Depois das palavras de tanta frustração e decepção de Jesus em
relação AOS DO SEU POVO, Ele encontra aquele gentio e sente ADMIRAÇÃO por ele.
E não apenas admira-se, mas declara aos Seus discípulos e aos que estavam
reunidos ali: “Afirmo-vos que nem mesmo
em Israel achei fé como esta” (v.9b). E eu fiquei pensando: que afronta
estas palavras foram para os judeus ali reunidos! E que quebra de paradigmas!
Porque, aqueles homens, tão acostumados a se sentirem superiores aos outros
simplesmente por serem “os descendentes de Abraão”, são não apenas comparados a
um centurião romano, mas considerados inferiores a ele – e não em qualquer
coisa, mas na coisa que mais os definia como “especiais” – FÉ.
E penso que havia propósito nessa
sequência de fatos. Jesus estava preparando os Seus discípulos. Seus discípulos
precisavam daquela renovação da mente que Paulo menciona em Romanos 12.2. Eles
haviam sido criados com tantos paradigmas religiosos, e tantos deles errados,
resultando numa mentalidade tão diferente do que todas as revelações de Deus
significavam, que eles precisavam aprender tudo de novo. Afinal, foi isso o que
Jesus veio fazer, não é? Revelar o real significado da Lei. Todo o entendimento
religioso que aquele povo havia adquirido até ali estava incompleto, e só em
Jesus era possível compreender o sentido pleno. E era o que Jesus estava
começando a fazer – transformar os Seus seguidores. Expô-los aos grandes erros
de seu PRÓPRIO POVO – humilhá-los, diminuí-los, para que eles pudessem
desenvolver a humildade e a compaixão necessárias para um discípulo Seu. Para
que Eles pudessem compreender e também desenvolver o Seu Próprio Caráter. O
caráter de Deus. E, para isso, eles precisavam diminuir, “baixar a bola”. E é o
que está acontecendo aqui. Eles não apenas foram expostos às mentiras
existentes na vida religiosa de seu próprio povo, mas também foram forçados a
escutar Deus elogiando um “DE FORA DOS SEUS”, e considera-lo superior aos “escolhidos”.
E como Deus precisa fazer isso
conosco! Oh, Senhor, quantas vezes temos nos achado superiores às pessoas que
estão “fora do nosso círculo” – sejam pessoas de denominações cristãs
diferentes da nossa, ou mesmo pessoas que são novas na fé, que estão conhecendo
a Jesus agora – em contraste conosco, que conhecemos a Cristo “há tanto tempo”.
E olhamos com menosprezo para nosso próximo, e com orgulho para nós mesmos. “Nós
já conhecemos as grandes doutrinas teológicas” ou “nós fazemos parte da
denominação mais bíblica”, e etc. E é quando Jesus precisa nos fazer passar por
essas experiências que Seus discípulos passaram – de “baixar nossa bola”.
Fazer um milagre na vida daquele irmãozinho tão simples, que conhece tão pouco
ainda, mas que tem TANTA FÉ! Aquele irmão que talvez nem saiba explicar
direitinho o plano de salvação ou a história da igreja, ou que talvez nem entenda
direito essa coisa de ser Protestante, nunca estudo a Reforma, sabe o básico da
Bíblia, mas SEU CORAÇÃO ESTÁ EM DEUS. Ele CRÊ. Ele sabe. Ele tem FÉ. Aquela fé
que muitas vezes, por nosso excesso de paradigmas e de raciocínios, nos falta.
A fé simples. A fé que diz: “Senhor, não
te incomodes, porque não sou digno de que entres em minha casa. Por isso, eu
mesmo não me julguei digno de ir ter contigo; porém manda com uma palavra, e o
meu rapaz será curado. Porque também eu sou homem sujeito à autoridade, e tenho
soldados às minhas ordens, e digo a este: vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele
vem; e ao meu servo: faze isto, e ele o faz” (v. 6-8). Tão diferente de
tudo que se falou sobre os escribas e fariseus. Fé humilde. Fé sincera. A fé, o
coração, a vida que aqueles discípulos precisavam aprender – a vida que nós
precisamos aprender.
Quantos paradigmas existiam na
mentalidade religiosa daquele povo, mesmo daqueles discípulos. Verdades que
lhes foram ensinadas no decorrer de anos e anos. E que criaram raízes. E que
não eram questionadas. E Jesus vem acabar com tudo isso. Ele vem questionar.
Ele vem mostrar que estava errado. Ele vem reconstruir e revelar o verdadeiro
sentido de todas as coisas. É o que Ele quer fazer conosco. Quebrar nossos “pré-conceitos”.
Questionar nossos paradigmas. Nos levar a refletir acerca de nossas próprias
vidas, antes de nos acharmos superiores a quem quer que seja. Nos mostrar que o
que causa a Sua admiração é tão diferente do que causa a nossa. E que é com as
coisas que despertam a SUA ADMIRAÇÃO que nós devemos nos preocupar. Seus
critérios. Seus padrões. E não os nossos. Não os da religião. E que o Seu jeito de avaliar tem a
ver com simplicidade, humildade, compaixão, fé sincera, confiança, entrega. A
partir destas coisas vem a verdadeira religião.
Que Ele nos ensine. Amém.
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