sábado, 26 de março de 2016

Quaresma – Dia 40 – O Sábado da Paixão, a Multidão e os Seguidores do Messias



“Então, Jesus clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou” (Lucas 23.46)

E, tendo finalizado Sua vida mortal assim, com estas últimas palavras, Jesus gera diferentes reações naqueles que presenciavam Seus últimos momentos.

Lendo a narração da condenação e crucificação de Jesus, ficava imaginando o que levou aquela multidão, provavelmente a mesma que vivia cercando Jesus e buscando Seus milagres e admirando-se deles e das palavras e ensinos de Jesus, bradar de forma tão veemente para que Pilatos O crucificasse. Não faz sentido! Aquelas pessoas haviam visto o que Jesus fazia! Elas O haviam acompanhado, sabiam quem Ele era. Mas, talvez, tendo sido enganadas por aqueles falsos religiosos que queriam a morte de Jesus, elas achassem que aquilo seria bom. Fiquei pensando se aquelas pessoas não achavam que, de repente, mandar Jesus para ser morto por oficiais romanos não seria a oportunidade perfeita para que Ele operasse o maior de todos os milagres; se elas não estavam realmente esperando que Ele se manifestaria em glória, ali, combatendo Seus inimigos romanos, descendo da cruz e tomando o poder para libertação civil do povo de Israel... e não é possível afirmar nada disso, pois só Deus sabia o que se passava no coração daquela multidão. Mas, talvez, fosse isso. Enganadas por escribas e fariseus, talvez aquelas pessoas, até aquele momento, mesmo depois de tudo o que já haviam visto e ouvido de Jesus, ainda não haviam entendido o que e quem seria o Messias. E esperavam o libertador das cadeias externas – quando o Pai O havia enviado para libertá-los das cadeias internas, e eternas. Mas eles não haviam entendido. E, assim, como a última cartada, esperavam que aquela condenação injusta seria a grande oportunidade para o libertador revolucionário levantar-se para vencer a opressão romana. Então, gritaram pela Sua condenação e morte (v.18, 21, 23) e, após terem-na conseguido, lá foram eles seguindo o Messias crucificado (v.27), aguardando pelo grande milagre.

Porém, o tão esperado milagre não chegou. O Messias não desceu da cruz. Ele não vociferou contra os “malditos romanos” que O escarneciam, maltratavam e humilhavam. Ao contrário, Ele pediu ao Pai que os perdoasse (v.34). Ele era blasfemado, e não falou nada. E “o povo estava ali e a tudo observava” (v.35). Esperando. Esperando. Até que, sem entender nada e, talvez, guardando as esperanças de que o grande milagre e a grande revolução do Messias acontecessem até o fim, eles O ouvem falar: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!”. E morrer. E eu acredito que ali, naquele exato momento, as vendas caíram de seus olhos. E o evangelho de Lucas fala: “E todas as multidões reunidas para este espetáculo, vendo o que havia acontecido, retiraram-se a lamentar, batendo nos peitos” (v.48). E, novamente, fiquei pensando: naquele momento, aquela multidão poderia ter, simplesmente, se frustrado com a não realização do milagre que esperavam e tendo chegado, finalmente, na conclusão de que “Ele não era mesmo o Messias que dizia ser”; e voltariam para suas casas decepcionados e desanimados. Contudo, não foi assim que a multidão saiu. As Escrituras dizem que, mediante tudo o que viram, as multidões saíram lamentando e batendo nos peitos. Sinal de tristeza. Por isso, eu creio que eles entenderam: entenderam Quem era Aquele Homem crucificado, e entenderam o que fizeram. Por isso, choraram e lamentaram. Ele era quem dizia ser. E eles não acreditaram. Porque esperavam o Messias errado. Porque haviam sido convencidos de uma mentira. Mas, ali, diante daquela cruz, diante dAquele Homem que ainda amava e perdoava, que entregava-se como ovelha ao matadouro, que cumpria as Escrituras, e que entregava o Seu espírito ao Seu Pai... eles, finalmente entenderam.

E, infelizmente, ainda hoje, grandes multidões esperam o Messias errado. E não apenas entre os judeus – mas entre nós. Ainda esperam o Salvador que irá salvá-los das coisas deste mundo. Um Messias cujo propósito é acabar com a opressão física: a dor, o sofrimento, a pobreza, a opressão, a violência, toda a maldade dessa terra – representados pela opressão de Roma sobre o povo de Israel. E exatamente por isso muitos vivem tantas crises a respeito de Deus e o sofrimento humano. Como Ele pode ser bom e ainda existir o mal? Como Jesus poderia ser o Messias e o povo de Israel ainda continuar oprimido por Roma e por tantos sofrimentos oriundos disso? Era de um revolucionário que os judeus achavam precisar. Mas Deus enxergava além. Ele enxerga além. Ele sabe que, ainda que fôssemos libertos de todas as correntes de dor e sofrimento deste mundo, continuaríamos escravos. De nós mesmos. De uma escravidão que nada nesse mundo poderia nos livrar – a escravidão eterna. E que nenhum bem, nenhuma felicidade, nenhum conforto vividos nesse mundo poderiam suprir o sofrimento gerado por essa escravidão – porque essa é a verdadeira escravidão, o verdadeiro sofrimento: aquele que nos tira o sentido da vida, o propósito, a identidade... todas as coisas. A escravidão que nos esvazia totalmente – pois nos separa do nosso Criador, a Fonte de todo bem. E, enquanto estivermos separados dEle, nossa alma nunca poderá ser realmente feliz. E nenhum bem dessa vida pode suprir essa falta. Assim, é dessa escravidão que o Messias vem libertar o mundo – pois, uma vez libertos dela, uma vez religados com Deus, a Fonte de todo bem, nenhum sofrimento deste mundo é capaz de roubar nossa felicidade e nossa paz. Somos preenchidos e salvos por dentro e, quando isso acontece, nenhuma guerra, nenhuma opressão, nenhuma fome, nenhuma perseguição, nenhum escárnio, nenhuma humilhação... NADA que venha de fora poderá nos abalar. A salvação HABITA em nós. Por isso, essa era – e é – a maior missão do Salvador.

E, por isso, a reação de Seus seguidores foi tão diferente da reação da multidão. Enquanto a multidão saiu a lamentar e bater nos peitos, “todos os conhecidos de Jesus e as mulheres que o tinham seguido desde a Galiléia permaneceram a contemplar de longe estas coisas. [...] As mulheres que tinham vindo da Galiléia com Jesus, seguindo, viram o túmulo e como o corpo fora ali depositado. Então, se retiraram para preparar aromas e bálsamos. E, no sábado, descansaram, segundo o mandamento” (Lucas 23.49, 55-56). Com toda certeza, aqueles homens e mulheres estavam sofrendo profundamente naquele momento. Seu grande Mestre havia morrido, depois de tanta dor. Não podemos imaginar quão duro isso foi para os Seus seguidores. Mas a narração a respeito deles é claramente diferente da feita a respeito da multidão.

Eles permaneceram. Jesus já estava morto, mas seus corações continuavam fiéis a Ele. Porque Ele os havia transformado – e agora já não era mais possível viver desligados dEle. E, mesmo quando Ele já havia morrido, eles continuavam ali. Sim, é verdade que muitos – talvez a maioria – dos seguidores de Jesus não permaneceram; fugiram. Mas aqueles que ali ficaram, e aquelas mulheres galileias principalmente, representavam o remanescente fiel, o exemplo para todos os seguidores, para todos nós. Sua fidelidade ao Cristo não se extinguia com Sua morte. Elas criam, elas sabiam Que Ele era o Enviado de Deus. E, por isso, continuavam a crer e a segui-Lo. Prova disso é que aquelas mulheres, acompanhando José de Arimatéia e Nicodemus, vão ver onde o corpo do Mestre haveria de ser colocado – e foram preparar aromas e bálsamos para colocar sobre ele (v.56a). O comentário de minha Bíblia Shedd diz assim, sobre esse versículo: “Aromas e bálsamos. Vê-se o amor pelo Senhor no trato do Seu corpo. Normalmente um criminoso crucificado seria enterrado sem cerimônia num campo qualquer”. Mesmo morto, mesmo estando ali apenas o corpo do Mestre, aquelas mulheres ainda O amam e O honram, com seus perfumes e especiarias. Elas continuam crendo. E continuam amando – mesmo quando tudo parece ter “dado errado”. Mesmo quando elas, provavelmente, nem entendiam o porquê de tudo aquilo. Mas elas continuam fiéis. Porque elas já haviam experimentado a verdadeira libertação, dada pelo Cristo. Então, mesmo sem entender, mesmo na dor e no sofrimento, elas permanecem.

E, finalmente, que versículo lindo é o 55, parte b: “E, no sábado, descansaram, segundo o mandamento”. Descansaram. Fiquei me perguntando: “Como elas podem ter descansado no dia imediatamente após a morte de Jesus?”. Mas a palavra se repetia na minha mente: descansaram. E glórias a Deus pelo significado disso! Aquelas mulheres, com toda certeza, sofriam, com seus corações moídos por tudo o que aquela sexta-feira havia trazido. Certamente, elas enfrentavam dor e angústia enormes. Contudo, quando estamos com o Cristo, quando O conhecemos, quando Ele nos transformou, de alguma forma miraculosa que só pode ser resultado da ação do próprio Espírito de Deus, nós podemos encontrar descanso para nossas almas e corações – mesmo quando eles estão quebrados e despedaçados. Nós podemos. Podemos continuar obedecendo – “segundo o mandamento” – mesmo quando parece impossível. Porque é Ele quem nos capacita. E Deus capacitou aquelas mulheres, mesmo em meio à tamanha dor que elas sentiam. E Ele vem nos lembrar hoje: quando o sábado da paixão chegar em nossas vidas, e tudo parecer acabado, sem saída, sem explicação, impossível de compreender, quando isso doer mais do que podemos expressar, quando nos sentirmos sós e abandonados, quando não parecer mais haver esperança e o sofrimento tomar conta do coração – ainda assim, nosso Pai tem um lugar de descanso para nossas almas. Ainda assim, nosso Pai nos capacita para obedecer. Porque Ele continua conosco. Sempre. Todos os dias. E Sua salvação, operada no mais íntimo de nós, continua a nos salvar – dia após dia, dor após dor. Ele é a nossa Salvação. E continuará sendo, até o fim.


Que hoje, no “Sábado da Paixão”, e em cada “sábado da paixão” de nossas vidas, possamos nos lembrar de Quem era o Homem a expirar naquela cruz – e de todas as promessas que o Domingo traria consigo. E trouxe. E trará. Porque nem mesmo a morte foi, é, nem jamais será capaz de deter o Salvador deste mundo. Nossa esperança é eterna, e nunca falhará. Glórias, pois, a Jesus Cristo, eternamente. Amém. Amém.

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