“Então, Jesus clamou em alta voz:
Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou” (Lucas 23.46)
E, tendo finalizado Sua vida
mortal assim, com estas últimas palavras, Jesus gera diferentes reações
naqueles que presenciavam Seus últimos momentos.
Lendo a narração da condenação e
crucificação de Jesus, ficava imaginando o que levou aquela multidão,
provavelmente a mesma que vivia cercando Jesus e buscando Seus milagres e
admirando-se deles e das palavras e ensinos de Jesus, bradar de forma tão
veemente para que Pilatos O crucificasse. Não faz sentido! Aquelas pessoas
haviam visto o que Jesus fazia! Elas O haviam acompanhado, sabiam quem Ele era.
Mas, talvez, tendo sido enganadas por aqueles falsos religiosos que queriam a
morte de Jesus, elas achassem que aquilo seria bom. Fiquei pensando se aquelas
pessoas não achavam que, de repente, mandar Jesus para ser morto por oficiais
romanos não seria a oportunidade perfeita para que Ele operasse o maior de
todos os milagres; se elas não estavam realmente esperando que Ele se
manifestaria em glória, ali, combatendo Seus inimigos romanos, descendo da cruz
e tomando o poder para libertação civil do povo de Israel... e não é possível
afirmar nada disso, pois só Deus sabia o que se passava no coração daquela
multidão. Mas, talvez, fosse isso. Enganadas por escribas e fariseus, talvez
aquelas pessoas, até aquele momento, mesmo depois de tudo o que já haviam visto
e ouvido de Jesus, ainda não haviam entendido o que e quem seria o Messias. E
esperavam o libertador das cadeias externas – quando o Pai O havia enviado para
libertá-los das cadeias internas, e eternas. Mas eles não haviam entendido. E,
assim, como a última cartada, esperavam que aquela condenação injusta seria a
grande oportunidade para o libertador revolucionário levantar-se para vencer a
opressão romana. Então, gritaram pela Sua condenação e morte (v.18, 21, 23) e,
após terem-na conseguido, lá foram eles seguindo o Messias crucificado (v.27),
aguardando pelo grande milagre.
Porém, o tão esperado milagre não
chegou. O Messias não desceu da cruz. Ele não vociferou contra os “malditos
romanos” que O escarneciam, maltratavam e humilhavam. Ao contrário, Ele pediu
ao Pai que os perdoasse (v.34). Ele era blasfemado, e não falou nada. E “o povo estava ali e a tudo observava”
(v.35). Esperando. Esperando. Até que, sem entender nada e, talvez, guardando
as esperanças de que o grande milagre e a grande revolução do Messias
acontecessem até o fim, eles O ouvem falar: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!”. E morrer. E eu
acredito que ali, naquele exato momento, as vendas caíram de seus olhos. E o
evangelho de Lucas fala: “E todas as
multidões reunidas para este espetáculo, vendo o que havia acontecido,
retiraram-se a lamentar, batendo nos peitos” (v.48). E, novamente, fiquei
pensando: naquele momento, aquela multidão poderia ter, simplesmente, se
frustrado com a não realização do milagre que esperavam e tendo chegado,
finalmente, na conclusão de que “Ele não era mesmo o Messias que dizia ser”; e
voltariam para suas casas decepcionados e desanimados. Contudo, não foi assim
que a multidão saiu. As Escrituras dizem que, mediante tudo o que viram, as
multidões saíram lamentando e batendo nos peitos. Sinal de tristeza. Por isso,
eu creio que eles entenderam: entenderam Quem era Aquele Homem crucificado, e
entenderam o que fizeram. Por isso, choraram e lamentaram. Ele era quem dizia
ser. E eles não acreditaram. Porque esperavam o Messias errado. Porque haviam
sido convencidos de uma mentira. Mas, ali, diante daquela cruz, diante dAquele
Homem que ainda amava e perdoava, que entregava-se como ovelha ao matadouro,
que cumpria as Escrituras, e que entregava o Seu espírito ao Seu Pai... eles,
finalmente entenderam.
E, infelizmente, ainda hoje,
grandes multidões esperam o Messias errado. E não apenas entre os judeus – mas entre
nós. Ainda esperam o Salvador que irá salvá-los das coisas deste mundo. Um Messias
cujo propósito é acabar com a opressão física: a dor, o sofrimento, a pobreza,
a opressão, a violência, toda a maldade dessa terra – representados pela
opressão de Roma sobre o povo de Israel. E exatamente por isso muitos vivem
tantas crises a respeito de Deus e o sofrimento humano. Como Ele pode ser bom e
ainda existir o mal? Como Jesus poderia ser o Messias e o povo de Israel ainda
continuar oprimido por Roma e por tantos sofrimentos oriundos disso? Era de um
revolucionário que os judeus achavam precisar. Mas Deus enxergava além. Ele
enxerga além. Ele sabe que, ainda que fôssemos libertos de todas as correntes
de dor e sofrimento deste mundo, continuaríamos escravos. De nós mesmos. De uma
escravidão que nada nesse mundo poderia nos livrar – a escravidão eterna. E que
nenhum bem, nenhuma felicidade, nenhum conforto vividos nesse mundo poderiam
suprir o sofrimento gerado por essa escravidão – porque essa é a verdadeira
escravidão, o verdadeiro sofrimento: aquele que nos tira o sentido da vida, o
propósito, a identidade... todas as coisas. A escravidão que nos esvazia
totalmente – pois nos separa do nosso Criador, a Fonte de todo bem. E, enquanto
estivermos separados dEle, nossa alma nunca poderá ser realmente feliz. E
nenhum bem dessa vida pode suprir essa falta. Assim, é dessa escravidão que o
Messias vem libertar o mundo – pois, uma vez libertos dela, uma vez religados
com Deus, a Fonte de todo bem, nenhum sofrimento deste mundo é capaz de roubar
nossa felicidade e nossa paz. Somos preenchidos e salvos por dentro e, quando
isso acontece, nenhuma guerra, nenhuma opressão, nenhuma fome, nenhuma
perseguição, nenhum escárnio, nenhuma humilhação... NADA que venha de fora poderá
nos abalar. A salvação HABITA em nós. Por isso, essa era – e é – a maior missão
do Salvador.
E, por isso, a reação de Seus
seguidores foi tão diferente da reação da multidão. Enquanto a multidão saiu a
lamentar e bater nos peitos, “todos os
conhecidos de Jesus e as mulheres que o tinham seguido desde a Galiléia
permaneceram a contemplar de longe estas coisas. [...] As mulheres que tinham
vindo da Galiléia com Jesus, seguindo, viram o túmulo e como o corpo fora ali
depositado. Então, se retiraram para preparar aromas e bálsamos. E, no sábado,
descansaram, segundo o mandamento” (Lucas 23.49, 55-56). Com toda certeza,
aqueles homens e mulheres estavam sofrendo profundamente naquele momento. Seu
grande Mestre havia morrido, depois de tanta dor. Não podemos imaginar quão
duro isso foi para os Seus seguidores. Mas a narração a respeito deles é
claramente diferente da feita a respeito da multidão.
Eles permaneceram. Jesus já
estava morto, mas seus corações continuavam fiéis a Ele. Porque Ele os havia
transformado – e agora já não era mais possível viver desligados dEle. E, mesmo
quando Ele já havia morrido, eles continuavam ali. Sim, é verdade que muitos –
talvez a maioria – dos seguidores de Jesus não permaneceram; fugiram. Mas
aqueles que ali ficaram, e aquelas mulheres galileias principalmente,
representavam o remanescente fiel, o exemplo para todos os seguidores, para
todos nós. Sua fidelidade ao Cristo não se extinguia com Sua morte. Elas criam,
elas sabiam Que Ele era o Enviado de Deus. E, por isso, continuavam a crer e a
segui-Lo. Prova disso é que aquelas mulheres, acompanhando José de Arimatéia e
Nicodemus, vão ver onde o corpo do Mestre haveria de ser colocado – e foram
preparar aromas e bálsamos para colocar sobre ele (v.56a). O comentário de
minha Bíblia Shedd diz assim, sobre esse versículo: “Aromas e bálsamos. Vê-se o amor pelo Senhor no trato do Seu corpo.
Normalmente um criminoso crucificado seria enterrado sem cerimônia num campo
qualquer”. Mesmo morto, mesmo estando ali apenas o corpo do Mestre, aquelas
mulheres ainda O amam e O honram, com seus perfumes e especiarias. Elas
continuam crendo. E continuam amando – mesmo quando tudo parece ter “dado
errado”. Mesmo quando elas, provavelmente, nem entendiam o porquê de tudo
aquilo. Mas elas continuam fiéis. Porque elas já haviam experimentado a
verdadeira libertação, dada pelo Cristo. Então, mesmo sem entender, mesmo na
dor e no sofrimento, elas permanecem.
E, finalmente, que versículo
lindo é o 55, parte b: “E, no sábado,
descansaram, segundo o mandamento”. Descansaram. Fiquei me perguntando: “Como
elas podem ter descansado no dia imediatamente após a morte de Jesus?”. Mas a
palavra se repetia na minha mente: descansaram. E glórias a Deus pelo
significado disso! Aquelas mulheres, com toda certeza, sofriam, com seus
corações moídos por tudo o que aquela sexta-feira havia trazido. Certamente,
elas enfrentavam dor e angústia enormes. Contudo, quando estamos com o Cristo,
quando O conhecemos, quando Ele nos transformou, de alguma forma miraculosa que
só pode ser resultado da ação do próprio Espírito de Deus, nós podemos
encontrar descanso para nossas almas e corações – mesmo quando eles estão
quebrados e despedaçados. Nós podemos. Podemos continuar obedecendo – “segundo o mandamento” – mesmo quando
parece impossível. Porque é Ele quem nos capacita. E Deus capacitou aquelas
mulheres, mesmo em meio à tamanha dor que elas sentiam. E Ele vem nos lembrar
hoje: quando o sábado da paixão chegar em nossas vidas, e tudo parecer acabado,
sem saída, sem explicação, impossível de compreender, quando isso doer mais do
que podemos expressar, quando nos sentirmos sós e abandonados, quando não
parecer mais haver esperança e o sofrimento tomar conta do coração – ainda assim,
nosso Pai tem um lugar de descanso para nossas almas. Ainda assim, nosso Pai
nos capacita para obedecer. Porque Ele continua conosco. Sempre. Todos os dias.
E Sua salvação, operada no mais íntimo de nós, continua a nos salvar – dia após
dia, dor após dor. Ele é a nossa Salvação. E continuará sendo, até o fim.
Que hoje, no “Sábado da Paixão”,
e em cada “sábado da paixão” de nossas vidas, possamos nos lembrar de Quem era
o Homem a expirar naquela cruz – e de todas as promessas que o Domingo traria
consigo. E trouxe. E trará. Porque nem mesmo a morte foi, é, nem jamais será
capaz de deter o Salvador deste mundo. Nossa esperança é eterna, e nunca
falhará. Glórias, pois, a Jesus Cristo, eternamente. Amém. Amém.
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