sexta-feira, 18 de março de 2016

Quaresma – Dia 32 – Reino dos necessitados



“Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze para aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (Lucas 14.21)

Deus chamando para a Sua ceia. E que texto sério este é. Porque, primeiro, Deus chama os “sãos”. E chama muitos. Só que todos eram pessoas importantes e, por isso, na hora em que tudo já estava preparado, eles precisam desculpar-se por não poder ir participar. Afinal, havia tantas coisas para resolver: um campo recém comprado que precisava ser visitado; cinco juntas de bois que precisavam ser experimentadas; um casamento recém contraído que precisava ser desfrutado... Tão importantes... tão ocupados... que não há tempo para ceias.

E, ao ler isso, meu coração se enche de temor. Porque eu me vejo nisso. Nos vejo nisso. Nossa geração sempre tão ocupada, com tantas coisas importantes para fazer. Tantas coisas para estudar, tantas notícias novas para ouvir, tantos compromissos, tantas pessoas importantes com quem falar, tantos eventos importantes para organizar, tanto dinheiro para ganhar, tantas dívidas para pagar, tantos amigos para fazer... e não nos tem sobrado tempo para ceias. Para a grande ceia de Deus. Mas, ela já está pronta (v.16-17). O servo do dono da ceia já veio nos chamar para nos achegar a ela. E o convite foi feito para tantos. Porém, todos eles tinham coisas demais para resolver, e não ligaram para o seu convite.

E foi então que o dono da casa, irado, disse ao seu servo para trazer para o jantar os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos. E assim ele o fez. E estes não negaram. E lá estavam eles para a grande ceia daquele grande senhor. Por quê? Por um simples motivo: eles sabiam-se necessitados. Sabiam-se pobres e doentes, e pessoas assim não negam convites – muito menos para uma ceia. Eles sabem reconhecer bênçãos, quando estas lhes são oferecidas. Eles sabem reconhecer que tem tão pouco e, diante disso, tudo se torna tão grandioso e importante – quanto mais um convite feito por um grande senhor.

E é aí que eu penso quem somos nós. Os homens ocupados e importantes, ou os pobres e doentes. Como enxergamos a nós mesmos? Como temos vivido as nossas vidas? Como pessoas grandes, a quem o Grande Senhor oferece favores – os quais nos sentimos no direito de avaliar para verificar se estes são mais ou menos importantes do que os nossos compromissos? Ou como aqueles homens pobres, cegos, aleijados, coxos, conscientes da sua pequenez diante daquele Grande Senhor, e do quanto participar daquela Ceia lhes era um privilégio impagável? De fato, aqueles homens necessitados nunca poderiam pagar por aquela ceia. Eles não tinham nada a oferecer. E, talvez, exatamente por isso eles não negaram aquele chamado.

Infelizmente, costumamos nos enxergar de uma maneira tão diferente do que realmente somos. Somos os homens pobres, cegos e aleijados, sujos, mendigos, sem nada para oferecer a Deus. Mas, tão facilmente acreditamos quando o mundo nos diz que somos grandes e importantes, e que Deus precisa entrar na fila da nossa agenda, para ver onde conseguimos encaixa-Lo. E o triste disso é que, no final desta parábola, o senhor da grande ceia diz: “Porque vos declaro que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia” (v.24). Uma vez que a ceia tenha começado e o convite tenha sido negado, não há mais volta. A oportunidade passou. E perdemos a coisa mais importante que poderíamos ter recebido nesta existência.

Seguir a Jesus Cristo é um grande privilégio, mas também tem exigências. Primeiro, o reconhecimento de quem, de fato, somos: reconhecermo-nos pobres, cegos, coxos, aleijados. Necessitados. Imerecedores. Sem nada para oferecer em troca, a não ser nossa presença – nossa vida. Segundo, pagar o preço. Reconhecer que todos as nossas coisinhas, que parecem tão grandes diante das lentes deste mundo, são ínfimas, sem valor, diante do insondável valor de participar da ceia dAquele Senhor. Nada pode se comparar a participar daquilo que Ele estava preparando. Nenhum de nossos tesouros. Nem mesmo nossos campos, bois ou, ainda, casamentos. Nem mesmo nosso desejo de afeição natural, pois assim diz o Senhor Jesus: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo”. Porque para seguir a Jesus é necessária a consciência de que nosso maior tesouro é Ele. Maior do que qualquer outro tesouro, por mais valioso que ele seja, que possamos ter nessa vida – incluindo nossa própria vida neste corpo. Reconhecer nossa pequenez – e reconhecer a grandeza dEle.

Por isso, é preciso calcular o preço a ser pago para dizer esse “Sim” a Jesus. Um preço muitas vezes não ensinado, não esclarecido. Mas o preço é grande, e é preciso que seja calculado – assim como é necessário que se calcule a despesa para construir uma torre ou a quantidade de soldados para vencer uma guerra (v.28-32). Para que não ocorra que, tendo dito um sim inconsciente, venhamos a ser envergonhados. Seguir a Jesus exige renúncia: de nosso orgulho, nossa reputação, nossos maiores tesouros, nossa própria vida: “pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo” (v.33).


Por isso o Reino é dos necessitados. Porque quem é pobre, aleijado, cego e coxo facilmente enxerga que tudo aquilo que ele venha a possuir nesta vida não pode se comparar ao que Aquele Senhor lhe oferece. Aquela ceia. Por isso, sua resposta não poderia ser outra a não ser “Sim!”. Ele olha para si mesmo e olha para Aquele Senhor, e entende. E, para entrar no Reino de Cristo, é necessário que seja assim também. Que Ele cresça, e nós diminuamos. Que reconheçamos quem somos e Quem Ele é. E, só assim, compreenderemos como somos privilegiados por poder fazer parte disso. Quando tivermos a consciência que somos os pobres, aleijados, cegos e coxos. E Ele é o Rei. E a menor coisa que Ele possa nos oferecer ainda será maior do que tudo o mais que possamos conquistar sem Ele. Assim, que nossa resposta seja sim. E que participar do que Ele tem preparado seja a maior alegria dos nossos corações. Que assim seja. Amém.

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